domingo, fevereiro 07, 2010

Grécia reconstruída



Essa matéria saiu no Correio Braziliense de hoje. Clique aqui para baixar o infográfico.


Grécia reconstruída

Laboratório da USP se dedica a entender o funcionamento da sociedade grega antiga a partir do estudo das construções presentes nas cidades

Gisela Cabral

Como os espaços presentes em uma cidade podem auxiliar na compreensão da sociedade? A partir de estudos sobre o ambiente construído, os especialistas têm conseguido decifrar sistemas políticos, econômicos e culturais de povos que viveram há séculos e até encontrar respostas que nem sempre condizem com os registros feitos ao longo dos anos. Um grupo de pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), da Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado ao estudo do ambiente construído das cidades gregas dos períodos arcaico, clássico e helenístico. Uma quantidade considerável de pesquisas e textos publicados, aliada ao suporte financeiro de instituições de apoio à ciência, foram o ponto de partida para a criação do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (Labeca).

As linhas de pesquisas que norteiam o trabalho de 32 pesquisadores — entre estudantes (iniciação científica, mestrado e doutorado), professores e técnicos — vão desde a formação da pólis (cidade antiga), passam pela religião, economia, identidade, até o planejamento urbano. “Estudamos, por exemplo, o espaço que os gregos dedicavam aos deuses naquele período. Como ele era organizado, seja no centro urbano, dentro das casas, e o que isso significava em relação à religiosidade do grego”, explica a responsável pelo laboratório, Maria Beatriz Florenzano, professora titular do MAE.

Desde que foi oficialmente criado, em 2006, o Labeca passou a ser uma fonte de pesquisa para especialistas da área e professores de faculdades, de cursos preparatórios e dos ensinos médio e fundamental. Segundo a especialista, a ida de parte dos pesquisadores à Grécia e a regiões da Itália que na antiguidade estavam sob domínio grego ajudou no desenvolvimento dos estudos e até serviu para questionar algumas teorias e mitos enfatizados atualmente (veja quadro). “Os textos mais antigos, por exemplo, mostram uma mulher sem espaço na sociedade grega. Acreditam que somente o homem era cidadão, porque tinha o poder do voto. Porém, percebemos a preponderância que ela tinha no controle da casa, a maneira como a imagem dela aparece nos cemitérios”, diz.

Conforme a pesquisadora, a intenção do Labeca é mostrar que a contribuição da sociedade grega para o mundo vai além da visão política, tão enfatizada nos livros de história. “O espaço dirigido aos escravos também nos trouxe algumas conclusões. Em Atenas, vimos que eles exerciam posições de comando em muitos aspectos”, afirma. Outra importante linha de pesquisa diz respeito à relação entre o espaço e a economia. “O intuito é saber se aquele ambiente era especializado ou não, se as atividades comerciais eram distribuídas igualmente por todo o terreno, ou especializada em algum ponto, o que mostra uma certa sofisticação”, analisa.

Acervo

Um projeto temático apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foi o grande incentivo para que o laboratório passasse a ter uma estrutura maior. Segundo Maria Beatriz, o auxílio possibilitou a compra de equipamentos de última geração, como computadores usados para edição de imagens, e a contratação de sete pesquisadores bolsistas. Além disso, os cientistas também receberam recursos para a realização de viagens ao exterior, para recolher material de pesquisa e adquirir bibliografia específica.

A pesquisadora Ana Paula Tauhyl, 25 anos, está no Labeca desde 2005, período no qual ingressou como estagiária do curso de história na USP. Atualmente, ela possui uma bolsa de treinamento técnico e desenvolve um trabalho que consiste no tratamento de imagens e tradução das legendas dos mapas e plantas para o português. “Desde a época da faculdade, me interessava bastante pelo assunto, pois no meu entendimento, a nossa civilização deve muito aos gregos. Aqui no Labeca, posso contribuir para a pesquisa de outras pessoas, já que o laboratório tem sido bastante procurado”, enfatiza a pesquisadora e integrante de uma das expedições às cidades gregas.

O acervo do Labeca é composto atualmente por 17 horas de filmagem e cerca de 4 mil fotografias feitas em campo. Além do banco de dados e da grande quantidade de textos, o local acaba de lançar um DVD que reúne informações sobre Siracusa, a cidade antiga grega que hoje está situada na região da Sicília, na Itália. “Ela foi fundada no século 8 a.C., passou pelos gregos, romanos, normandos e bizantinos, e hoje vive em torno dessas memórias”, destaca Maria Beatriz.

De acordo com ela, um teatro grego da antiguidade existe até hoje na cidade e foi incorporado à cultura contemporânea, com a apresentação de danças, shows, entre outras manifestações. “Porém, há o outro lado. Conhecemos uma senhora que planta uvas para a produção de vinho na região. Em algumas ocasiões, ela passava o arado na plantação e esbarrava em objetos bizantinos ou romanos. Percebemos então que há um choque de interesses: a necessidade de sobrevivência e a preservação do patrimônio”, destaca.

Um segundo DVD deve ser lançado até o fim do mês. O objetivo do material é mostrar trechos longos de uma peça encenada no teatro de Siracusa. “No DVD, também serão reproduzidas imagens de outros teatros da Grécia, de forma a posicioná-los como atividades culturais e religiosas da Grécia Antiga. A intenção é colocar os materiais do laboratório à disposição do grande público”, finaliza.

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