domingo, junho 01, 2008

D. João VI no Correio Braziliense


Padre José Maurício Nunes Garcia, o melhor organista da corte, oxigenou a cena musical do Rio em 1808 Marcos Portugal chegou ao Brasil em 1810 e foi nomeado mestre-de-capela no lugar de Nunes Garcia

O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do Brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a sétima.

O mulato contra o português

Nahima Maciel
Da equipe do Correio

O repertório preparado pelo mestre-de-capela Marcos Portugal para o concerto de hoje na Capela Real está ao gosto de S.A.R e sua Augusta Família. A comédia napolitana, preferida de dom João VI, é a âncora de Portugal para montar os programas da capela. Os castrati italianos, importados logo que a corte foi transferida de Lisboa para o Rio de Janeiro, estão a postos para empostar suas vozes de soprano e os cenários burlescos para a música lírica italiana tão apreciada pela corte. Há anos Portugal faz ouvir suas vontades e seus egos na cena musical do Rio. Exige da Casa Real muito mais que suas necessidades musicais e consegue de S.A.R os favores mais estapafúrdios. Mas dom João acha o conterrâneo divertido. E lhe faz concessões. Portugal consegue, assim, ofuscar um brasileiro do qual pouco se ouve falar nos dias de hoje, um rival confesso e talentoso. Relegado a tímido assistente da Capela Real, o padre José Maurício Nunes Garcia pouco decide sobre os programas da casa. A ele não são concedidas vontades e é preciso percorrer recintos privados e íntimos para ouvir uma das centenas de suas brilhantes peças compostas na última década.

Há cinco anos, em 1808, Nunes Garcia era o principal responsável por oxigenar a cena musical do Rio. Vale lembrar a delicadeza do repertório montado para receber dom João VI e sua corte, em março daquele ano, por ocasião do desembarque real. Veio do padre-mestre o esforço para organizar a estrutura musical da Capela Real, quando o regente decidiu transferi-la da Igreja do Rosário para a Catedral do Carmo. Mas é a qualidade musical de Nunes Garcia a peça mais importante desse tabuleiro.

A música sacra de inspiração clássica do padre tem raízes no melhor da produção européia. Se o repertório de Portugal se presta a piruetas vocais típicas da música napolitana, apropriada à vaidade dos cantores e ao entretenimento do público, as pautas de Nunes Garcia se destacam pela sobriedade e simplicidade da massa vocal entoada pelos corais. O padre também orquestrou a primeira apresentação do Réquiem de Mozart no Brasil. “Esta primeira experiência foi tão bem-sucedida em todos os seus aspectos que esperemos que não seja a última”, reparou o compositor austríaco Sigismund Neukomm, radicado no Rio.

Agora voltemos a Portugal. Naquele mesmo 1808 em que o Rio via desembarcar dom João VI e sua corte em fuga das tropas de Napoleão Bonaparte, o compositor subia ao palco do Teatro São Carlos, em Lisboa, para dirigir uma ópera de autoria própria em comemoração ao aniversário do imperador francês. Também escreveu um Te Deum a pedido dos franceses que ocupavam Portugal, situação tão embaraçosa que, poucos meses depois, tratou de compor outra peça sacra para dom João VI. Portanto, causa estranheza a predileção de S.A.R por Marcos Portugal.

A preferência da corte é senhora dos palcos. E nos tempos atuais desta década de 1810 é ínfimo o espaço para um padre-mestre mulato, filho de uma descendente de escravos e um branco e, ele mesmo, pai de filhos, condição que em pouco beneficia o prestígio do mestre-de-capela. Mais vale o glamour do português de formação italiana, autor, é verdade, de óperas encenadas no Scala de Milão e no Odeon de Paris. São conhecidos do público os desafios protagonizados pelos dois compositores. Nesses, ficou notória a capacidade de improvisação de Nunes Garcia, o melhor organista da corte. As competições, no entanto, não impediram que o senhor Portugal viesse a dominar a cena musical palaciana.

Fonte: A música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI, de Vasco Mariz. Editora Casa da Palavra, 2008

D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a sexta.

Há 200 anos...
Dom João VI muda rumo do mercado

Carmen Souza
Da equipe do Correio

De mala e cuia em solo brasileiro, a família real portuguesa provocou mudanças nas condições de trabalho que influenciam até hoje as relações entre mercados, patrões e funcionários. Logo no desembarque, em 1808, o anúncio feito por Dom João VI do fim da produção exclusiva causou impacto nas estruturas urbanas e rurais. A partir daquele momento, os portos estavam abertos às nações amigas. Os produtos brasileiros não precisavam mais passar obrigatoriamente pelas alfândegas portuguesas. E estava liberada a importação direta de produtos de países bem relacionados com a Corte.

Há quem diga que essa mudança foi o primeiro passo do Brasil rumo à globalização. Discussões paradigmáticas à parte, o fato é que, um ano depois da abertura dos portos, existiam mais de 100 empresas comerciais britânicas só no Rio de Janeiro. Inaugurações a calhar, já que o auge da exploração do ouro e da produção de cana-de-açúcar havia ficado para trás. Logo na chegada, Dom João VI também revogou um alvará, de 1785, que impedia a fabricação de qualquer produto no Brasil. Começaram a surgir fábricas de pólvora, tecido, barcos, siderúrgicas, carpintarias.

“Evidentemente houve um fortalecimento da vida urbana. Com isso, cresceram a prestação de serviço e a produção de manufaturas ainda precárias. É o começo das relações de trabalho mais liberais e flexíveis mesmo em um regime de escravidão”, afirma Solimar Oliveira Lima, professor de economia da Universidade Federal do Piauí. Figuras como o escravo de ganho e as negras de tabuleiro eram exemplos dessas transformações.

Os escravos de ganho passavam dias longe dos seus senhores e voltavam, na data estabelecida, para pagar o valor combinado pelo período de liberdade. Na cidade, alugavam os seus dotes trabalhando em barbearias, no transporte de pessoas, na limpeza urbana. “Quem pagava pelo serviço exigia que o escravo desempenhasse funções diferentes. E, hoje, essa flexibilidade é uma característica muito valorizada pelo mercado de trabalho”, compara Solimar.

As mulheres voltavam-se mais para o comércio, como acontecia na África. Com tabuleiros na cabeça, vendiam comida para os moradores das cidades. Foi a origem das tradicionais baianas, espalhadas hoje por todo o país. “Eram duas formas de trabalho diferentes do imaginário do tronco — em que o escravo trabalhava 20 horas por dia e depois era chicoteado —, e bastante comuns no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais”, explica Eduardo França Paiva, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais.

Jornada de sangue

Apesar da flexibilidade, a jornada imposta aos trabalhadores, independentemente das regras, era exaustiva, salienta Sadi Dal Rosso, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. “Era um trabalho tingido de sangue. A expectativa de vida naquela época era de 25, 27 anos. Grandes empregadores chegavam a investir em um sistema de reprodução de escravos”, afirma. Estima-se que, no início do século 18, o tráfego negreiro tenha trazido 1,5 milhão de africanos para o Brasil.

Além dos escravos, existiam os trabalhadores livres e, ainda incipientemente, pessoas submetidas a um regime de pré-assalariamento. Em muitos casos, não recebiam um salário, mas tinham a permissão para explorar a terra e dividiam a colheita com o proprietário. “É a origem do coronelismo, em que os trabalhadores submissos produzem para os grandes latifundiários”, diz o professor Solimar.

Ao longo do século 19, essas relações foram ganhando força, a ponto de a Lei Áurea — que em 1888 extinguiu o regime de escravidão — ter um caráter apenas formalizador. “Ela (a lei) deu continuidade a formas tradicionais de trabalho. Reconheceu uma realidade que existia. Já no início do século 19, a realidade do trabalho era diversa, plural e de uma mobilidade considerável”, destaca o professor Eduardo Paiva.

Editor: Plácido Fernandes // placido.fernandes@correioweb.com.br
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Há 200 anos
A madrugada do sonho

Guilherme Goulart
Da equipe do Correio

O boiadeiro de botas claras, chapéu-de-couro, calça e camisa de algodão vê ao longe o pôr-do-sol rosado por detrás do vilarejo de Santa Luzia, a futura Luziânia (GO). Sente falta da balbúrdia. Tem saudade dos tempos da mineração, época em que o povoado encravado no Planalto Central abrigava 10 mil habitantes. Com o rosto iluminado pelos últimos raios solares, o senhor de cabelos brancos relembra o frenesi provocado pela exploração do ouro que brotava do chão avermelhado. Mas constata, triste, a decadência nos primeiros anos de 1800.

Sem a presença dos mineradores, ele e a família vivem do que plantam. Criam algumas cabeças de gado. Nada parecido com a grandeza dos fazendeiros locais. Os vizinhos graúdos mantêm os animais soltos na paisagem sem fim do cerrado. São donos de terras a se perder de vista. Nem sabem com exatidão onde elas começam ou terminam. O senhorzinho, por exemplo, nunca viu cercados entre as propriedades. Conta que a delimitação se dá por rios, pedras, árvores, morros, marcos e o que servir de referência a forasteiros e aventureiros.

O boiadeiro, de rosto rachado pelo sol, também acha graça de como são conhecidas as fazendas da região: Gama, Papuda, Sobradinho, Bananal… O velho ri, nem imagina que os apelidos se perpetuarão no século seguinte. A Gama receberá uma cidade com o mesmo nome a partir da inauguração da nova capital do Brasil, cerca de 150 anos além do distante pôr-do-sol. A área da Papuda ficará com o maior presídio da então inimaginável Brasília. Já as duas últimas se transformarão em localidades recheadas de condomínios e pequenos vilarejos.

No longínquo interior goiano, o pequeno fazendeiro admite com desânimo que a vida passa devagar. O desenvolvimento agora é lento, quase parando. Há apenas povoados ao redor de Santa Luzia. E as futuras Formosa, Pirenópolis e Planaltina têm outros nomes e poucas chances de crescimento. O velho boiadeiro, católico, prefere Santa Luzia. O lugar, fundado em 13 de dezembro de 1746 pelo menos abriga a bela Igreja do Rosário. Ele, a mulher e as três filhas freqüentam missas todos os dias.

A família mora bem pertinho do templo. Vive em uma casa pequena de madeira, igual às demais da região. Foi erguida com troncos de aroeira, mais grossas e resistentes às agruras do tempo. O terreno é espaçoso, o que facilita o plantio e a criação do gado solto. Mas o senhorzinho, com o chapéu acomodado embaixo do braço, também recorre a vendinhas para abastecer o lar com o valorizado sal, ferramentas e roupas que chegam com os tropeiros, no lombo das mulas. O velho boiadeiro lamenta ainda os problemas que embaralham o otimismo e a auto-estima do povo. Nem o fim da mineração terminou com os conflitos entre tribos indígenas nômades e colonos. A febre amarela mata a cada ciclo da doença. Para ele, só um louco ou um sonhador tentaria trazer o progresso ao centrão calorento do país. A loucura ou o sonho era questão de tempo, mal sabia ele.

Editor: Samanta Sallum // samanta.sallum@correioweb.com.br
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D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a quarta.

Há 200 anos
Um país tão rico quanto os EUA

Luís Osvaldo Grossmann
Da equipe do Correio

Jamais uma casa real européia atravessara o Atlântico. Viajar de navio não era só demorado como tinha seus perigos, dos naufrágios às doenças pelas condições insalubres das longas travessias, das quais os piolhos que infestaram os barcos da corte portuguesa foram o menor dos problemas. Ao deixar Lisboa, Dom João moveu-se para salvar a própria cabeça e a monarquia liderada pela casa de Bragança. Talvez fosse menos arriscado fugir para outras possessões lusas, mas a escolha pelo Brasil era uma imposição econômica.

Senhores dos mares três séculos antes, os portugueses chegaram à costa brasileira em barcos mal conservados, com cordumes podres e velas que se rasgavam. Era o retrato de uma nação empobrecida, que para pagar a viagem e a escolta inglesa, a maior marinha de guerra do mundo, tomara 600 mil libras à própria Inglaterra — dinheiro que seria parte da dívida de 2 milhões de libras que o Brasil herdaria de Portugal com a independência, 15 anos depois.

À decadência lusa, o porto do Rio de Janeiro representava um forte contraste. Cruzamento transoceânico para navios que partiam da Europa e da América do Norte para Ásia, África e Oceania, a capital brasileira recebia cerca de mil navios por ano. Era uma escala importante nas demoradas navegações ao redor do planeta. E mais. Nos duzentos anos anteriores, o açúcar firmara-se como a mercadoria mais importante do comércio mundial, superando em valor o comércio de grãos, carne, peixes, tabaco, especiarias, tecidos ou metais.

Balança comercial

Na virada do século 19, as exportações do Brasil incluíam 125 produtos, de algodão a diamantes, de café a couros. Na década anterior a 1808, as exportações brasileiras responderam por 83,7% de tudo o que as colônias portuguesas enviaram à metrópole — e as reexportações das mesmas renderam 56,6% das receitas lusitanas no comércio exterior.

No todo, essas exportações chegavam a 4 milhões de libras anuais. Mas, nas contas de Celso Furtado, que se debruçou sobre o tema para escrever Formação Econômica do Brasil, a economia girava quatro vezes mais: 16 milhões de libras. No início do século 19, o Brasil era um país tão rico quanto os Estados Unidos, independentes desde 1776.

A força dessa economia foi construída a partir das grandes plantações, especialmente de cana, mas também de algodão e da ainda pequena, mas promissora, cultura do café. A cana dominava a costa de Pernambuco a São Paulo. No norte, do Pará ao Ceará, era o algodão. Com ouro e diamantes, parte dessa energia ganhou o interior, estendendo-se até Mato Grosso. E o café, que começou no Rio, aos poucos se estendia para São Paulo e Minas.

Um elemento, porém, é comum e essencial a todo esse complexo produtivo: o escravo. Mais rentável das mercadorias negociadas, origem das maiores fortunas da colônia, razão de desenvolvimento mesmo das economias do extremo sul e da ponta nordeste, que viviam indiretamente das plantações e das minas.

Agricultura

Além disso, a estrutura das grandes plantações demanda cobre, ferro, alcatrão, medicamentos, sal, vinagre, vestuário, prego, velas, comida para os escravos e animais para transporte. Do Rio Grande do Sul tropeiros levavam mulas, cavalos e gado, além de couro e sebo, mas especialmente o charque, base da alimentação dos escravos. Santa Catarina e Paraná ainda eram parte de São Paulo, mas integravam esse circuito do gado, além do primeiro produzir óleo de baleia e o segundo erva-mate. O sul do Maranhão e o interior do Piauí também forneciam gado e seus subprodutos para as fazendas do norte, enquanto papel semelhante foi sendo ocupado por Piauí e Paraíba no Nordeste.

São Paulo, que era o grande entroncamento ao sul, distribuía esses produtos para o interior — Minas, Goiás e Mato Grosso — além de contar ele próprio com plantações de cana e um pouco de café. Do Nordeste, através do vale do São Francisco, insumos também chegavam a Minas Gerais, então o estado mais populoso e que contava até com os primórdios de uma indústria têxtil.

No topo dessa cadeia estavam as praças de Salvador e Rio de Janeiro. A Bahia era a segunda principal porta de entrada de escravos, o maior produtor de açúcar e tabaco, dois dos principais artigos de exportação do século 17, e também tinha algodão. Mas a riqueza grande estava na capital, entre os comerciantes. E, dentro do comércio, o tráfico de escravos não tinha rival em lucratividade.

Escolha errada

No século 18, chegaram ao Rio de Janeiro 850 mil escravos, o que envolvia uma complexa operação que começava com a construção, compra ou aluguel de navios — alguns deles importados; exigia a formação de estoque para a troca — tecidos asiáticos, cachaça brasileira e armas européias; os alimentos para a travessia — farinha de mandioca; e toda uma rede de distribuição que do Rio se estendia a Mato Grosso e Buenos Aires. E era sob as ordens dos traficantes de escravos cariocas que correspondentes agiam principalmente em Angola para capturar os negros.

A mobilização desses recursos exigia capital forte. Essa operação custava entre 15 e 30 contos de réis, dinheiro suficiente para comprar três engenhos de açúcar com 1,5 mil hectares, 40 escravos e benfeitorias. Como explicou Jorge Caldeira, “não é de estranhar que, comparados aos grandes traficantes, os mais poderosos senhores rurais brasileiros não passassem de simples gotas no oceano monetário das fortunas negreiras”.

Com tanto em jogo, também não surpreende que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravidão. Mas talvez seja enganoso explicar por essa via o posterior atraso econômico do país. Todas as ricas nações européias e os Estados Unidos utilizaram largamente o trabalho escravo e lucraram cifras astronômicas com o tráfico. Ainda que não justifique a escravidão, tampouco essa serve como explicação para a decadência. Se nos primeiros anos do século 19 o Brasil era tão rico como os Estados Unidos, ao se aproximar dos 1900 teria uma economia de apenas a décima parte da norte-americana, foram as escolhas ao longo desse intervalo que definiram tal descompasso.

Burocracia importada

Mesmo falida, a corte que aportou no Brasil era vasta. Entre 10 mil e 15 mil portugueses singraram o Atlântico em quase 50 navios — quando os EUA transferiram sua capital da Filadélfia para Washington, apenas oito anos antes, o total de funcionários não superava 1 mil. Além da família real, vieram 276 fidalgos, 2 mil funcionários reais, 700 padres, 500 advogados, 200 praticantes da medicina e 5 mil militares.

Gastos públicos

A simples transferência do rei e de 15 mil funcionários redirecionou os gastos públicos. Em 1808 foram instalados no Rio os ministérios, os conselhos de Estado, Militar e da Fazenda, tribunais superiores, academias militar e da marinha e a biblioteca. Se antes da vinda da Coroa boa parte dos recursos para financiar tal estrutura seguiam do Brasil para Portugal, agora o dinheiro circulava na colônia.

Novos nobres

A distribuição de títulos de nobreza e comendas e as oportunidades que as honrarias abriam no serviço público foram as primeiras formas de arrecadação. Ao chegar ao Brasil Dom João outorgou mais títulos que Portugal concedera desde sua independência, no século 12. Como observou o historiador Pedro Calmon, “em Portugal, para fazer-se um conde se pediam quinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos”.

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D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a terceira.

Há 200 anos...
Criadas as primeiras escolas de medicina


Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
Fernando Vivas/Agência A Tarde

Terminantemente proibidas nas colônias portuguesas pelo risco de fomentar idéias subversivas, as escolas de ensino superior nasceram no Brasil com a chegada da família real. Antes mesmo de pisar no Rio de Janeiro, D. João VI autorizou a criação, em Salvador, do primeiro curso de medicina do país. A Escola Cirúrgica da Bahia (foto) foi instalada no então Real Hospital Militar, no Terreiro de Jesus. Era 13 de fevereiro de 1808. Nove meses depois, o Rio de Janeiro ganharia a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica. Ambas ainda existem. A primeira faz parte, hoje, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A segunda, da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O decreto do príncipe regente não foi apenas uma forma de conquistar a simpatia da Corte. Afinal, ele desembarcou na colônia com mais de 15 mil pessoas, incluindo a própria mãe, Dona Maria, a Louca — que, como o apelido sugere, padecia de enfermidades mentais e inspirava cuidados médicos. D. João VI, por seu lado, seria hipocondríaco, segundo alguns biógrafos. Nada mais natural que se preocupasse em formar especialistas e cirurgiões.

No Brasil oitocentista, morria-se de difteria, meningite, diarréia e, principalmente, de causas desconhecidas. D. João estranhou o fato de o paraíso tropical ser uma verdadeira fábrica de defuntos. Assim, as primeiras escolas de medicina tiveram, no momento inicial, a incumbência de formar profissionais capazes de investigar o motivo de tantas mortes. Médicos e sanitaristas europeus já desconfiavam que a falta de higiene estava por trás dos padecimentos. Ainda não se sabia que era a água, e não o ar, que transmitia boa parte das doenças infecciosas, mas a desconfiança de que as imundícies urbanas provocavam os males era quase unanimidade.

E isso não faltava no Brasil. A colônia colecionava toda sorte de sujeira. “Como a sarjeta corria no meio da rua, os detritos eram ali atirados — das lojas e residências — e serviam, por sua vez, de alimento aos animais. As casas, por sinal, eram bastante sujas, com o andar térreo destinado aos escravos e à cavalariça”, relata a historiadora Lílian Mortiz Schwarcz no livro A longa viagem da biblioteca dos reis.

A falta de higiene desencadeava as mais variadas doenças. “Segundo a observação de quase dois anos que conto de residência no Rio de Janeiro, tenho por moléstias endêmicas desta cidade, sarna, erisipelas, empigens, boubas, morphéa, elefantíase, formigueiro, bicho dos pés, edemas de pernas, hidrocele, sarcocele, lombrigas, ernias, leuchorréa, dysmonorréa, hemorróidas, dispepsia, vários efeitos convulsivos, hepatites e diferentes sortes de febres intermitentes e remitentes”, relatou o médico Bernardino Antônio Gomes, conforme cita Laurentino Gomes no livro 1808.

“Óleo humano”

Sobrava para os leigos a tarefa de cuidar dos infortúnios coloniais. Os barbeiros, além de aparar bigodes, tiravam dentes e faziam cirurgias. Sem anestesia. Boticários, curandeiros e escravos também praticavam a medicina, utilizando ervas, raízes e insumos como “óleo humano”, “dentes de javali” e “olhos de caranguejos brutos”, conforme lista o historiador Nireu Cavalcanti. Num território supersticioso, os sacos de mandinga eram outra arma usada para reprimir doenças e afastar mau-olhado.

Para se ter uma idéia da carência de profissionais, dois anos antes de se transformar na sede da escola de medicina de Salvador, o Hospital Real Militar da Bahia contava com apenas sete profissionais. Em 13 de setembro de 1808, o cirurgião-mor, Jozé Soares de Castro, oficiou um documento ao provedor do hospital, solicitando a ampliação do quadro. “Se precisa de três enfermeiros mais para o bom arranjo de setenta e sete doentes por estarem muito mal servidos, com um só”, justifica, no manuscrito, que hoje se encontra no Arquivo Público do Estado da Bahia.

No ofício, o cirurgião também destaca a importância do estudo da anatomia: “Os médicos poderão fazer a abertura dos cadáveres, cuja doença e circunstâncias dela o exigirem”. A anatomia, aliás, era o ponto forte da escola de medicina, juntamente com a obstetrícia. O mesmo se repetia na escola do Rio de Janeiro, onde os pesquisadores se debruçavam sobre as causas das doenças tropicais.

Os efeitos da criação das escolas superiores, como se pode supor, não foram imediatos. Brasileiros e portugueses continuavam padecendo de enfermidades hoje consideradas banais. Mas basta lembrar que, menos de um século depois da vinda da família real para o Brasil, Oswaldo Cruz matriculava-se na escola do Rio de Janeiro. Graças a seus estudos, o país, finalmente, compreendeu e combateu as doenças tropicais.

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D. João VI no Correio Braziliense


Arte de Kleber Sales sobre retrato de Jacques-Louis David
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Há 200 anos
Espanha resiste a Napoleão


Da redação

Vamos morrer matando” — é o grito que ecoa na Espanha. E essas três palavras podem ser traduzidas como o grande problema para Napoleão Bonaparte. O imperador da França começa a enfrentar um duro obstáculo para a conquista de mais um país europeu. Em várias cidades espanholas, homens e mulheres de todas as classes vão às ruas armados com escopetas, facões e navalhas para lutar contra as tropas francesas. “Todos os grandes acontecimentos estão por um fio. Mas o homem inteligente tira vantagens de tudo”, costuma dizer Napoleão. E ele está a ponto de comprovar a própria teoria.

O ataque começou em fevereiro, quando as tropas napoleônicas se apoderaram da fortaleza de Pamplona sem encontrar resistência. Depois foi a vez de Barcelona, San Sebastián e, logo, Madri. Na capital, diante da inferioridade em forças militares, o povo espanhol saiu às ruas para lutar, em 2 de maio. Do lado francês, a tropa obedecia ao lema de guerra do imperador: “Soldados, sejam valentes e decididos”. A batalha foi sangrenta, com saldo de 450 espanhóis e 150 franceses mortos.

Na Galícia (norte da Espanha), a população levantou armas. De Lugo e Santiago de Compostela, túmulo do apóstolo Tiago, chegam notícias de saque de relíquias pelos invasores. Em Zaragoza, uma das principais cidades do nordeste, o sentimento de luta foi resumido pelo general José Palafox y Melzi, que comanda a resistência. “Estou disposto a defender minha cidade até as últimas conseqüências”, declarou. Em Valência, 3.732 pessoas formaram o corpo dos Caçadores Voluntários, comandado pelo general José Caro. A tática espanhola começa a confundir os franceses. Para compensar o fato de terem poucas armas, eles surgem de colinas e cavernas e depois desaparecem nos esconderijos. Os ataques de surpresa são chamados pelos espanhóis de guerrilla (guerrilha).

Ajuda

Depois da comoção popular que tomou conta da Espanha, as autoridades resolveram reagir. O governo da província de Astúrias declarou oficialmente guerra a Napoleão. Uma delegação presidida pelo visconde de Matarosa, don Andrés de la Vega, embarcou em navio rumo à Inglaterra para pedir ajuda militar ao principal inimigo da França. A previsão é de que a guerra se estenda. Nem Napoleão nem os espanhóis devem desistir.

“Eu trato a política como guerra. Engano um flanco para bater no outro”, teoriza Napoleão. E foi exatamente o que fez com a Espanha. No ano passado, o imperador declarou guerra a Portugal por se recusar a aderir ao bloqueio continental contra a Inglaterra. Para lutar contra os portugueses, pediu ao rei Carlos IV que permitisse a passagem das tropas francesas por solo espanhol. Bonaparte aproveitou a oportunidade, mandou mais soldados à Espanha e, ao perceber a fraqueza do inimigo, decidiu ocupar o país.

A família real foi levada pelos franceses para Bayona, no noroeste, primeiro na Europa a ter notícias da descoberta da América. O novo rei, Fernandino, foi obrigado a abdicar do trono. Seu pai Carlos IV, havia entregado o reino a Napoleão no começo do mês passado. O imperador francês ainda não decidiu qual de seus fiéis escudeiros governará a Espanha.

Desde que se tornou imperador absoluto da França, há quatro anos, Napoleão Bonaparte coleciona inimigos na Europa. O principal é a Inglaterra, país que tentou invadir em 1805, por interesses marítimos. Ele domina parte da Itália, Áustria, Rússia e Prússia. Para controlar seu extenso império, Napoleão coloca familiares para governá-los. É provável que o mesmo aconteça na Espanha.

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D. João VI no Correio Braziliense


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Há 200 anos...
D. João VI muda política nacional

Edson Luiz
Da equipe do Correio

A chegada da família real ao Brasil, em maio de 1808, foi talvez o acontecimento mais marcante do século 19 e o começo de uma nova era para o país. Até então, não passávamos de uma colônia atrasada e sem força política, mas que dava bons dividendos econômicos aos dominadores. Com a vinda de D. João VI e sua comitiva, incluindo sua mulher Carlota Joaquina, o Rio de Janeiro, principalmente, mudou. A sociedade e a política do país se transformaram. Tanto que, 14 anos depois, seria proclamada a Independência do país.

A construção da nova história política brasileira teve um protagonista de além-mar: Napoleão Bonaparte, o imperador da França. Para ampliar o poder na Europa, focou as atenções em outras nações, e uma delas foi Portugal, que tinha que escolher entre se aliar aos franceses ou aos ingleses. Preferiu ficar com o segundo, decidindo não fechar os portos para o comércio com os britânicos, como determinara Napoleão.

Com a escolha, Portugal perdeu um apoio importante, a Espanha, país governado pelo pai de Carlota Joaquina. Mesmo assim, os castelhanos declararam guerra contra os lusitanos, em 1801. Naquele ano, foi selado um acordo de paz desfavorável aos portugueses, que tiveram de fechar os portos à Inglaterra. D. João VI não cumpriu o tratado. Seis anos depois, para não enfrentar o forte exército napoleônico, que já avançara sobre províncias espanholas e aproximava-se de seu país, resolveu transferir a Corte para o Brasil.

Províncias

Em novembro de 1807, começa uma viagem que mudaria a história do Brasil, colônia que até então poucos portugueses da realeza conheciam. Durante o tempo em que permaneceu no Brasil, que depois foi transformado em sede do reino português, D. João VI introduziu vários benefícios para o país, principalmente no Rio. Porém, esqueceu-se das províncias do interior que já manifestavam descontentamentos antes da chegada do príncipe regente. Isso acontecia no Nordeste pobre, onde prevalecia o domínio dos senhores de engenhos sobre a população, e de onde surgiram grandes revoltas. D. João VI também não se preocupou em pôr fim à escravidão. E para evitar problemas com adversários, o príncipe regente implantou a censura, proibindo as instalações de gráficas, uma forma de evitar a produção de panfletos contra a Corte, que mantinha um poder absoluto sobre a Nação.

O período Joanino durou até abril de 1821, quando o príncipe regente decidiu deixar as terras brasileiras sob os cuidados de seu filho, D. Pedro I. Era a forma encontrada por D. João VI para manter o poder sobre a colônia. “Se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”, disse a D. Pedro I. Nessa época, as inquietações por todo o país mostravam que o controle português sobre os brasileiros já não era tão grande e outro fato histórico seria inevitável: a Independência, que aconteceu um ano e cinco meses depois que a família imperial retornou à Europa.

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