sábado, junho 05, 2010

Os melhores filmes da Vera Cruz, de graça



Matéria da Revista Época desta semana. Vale a pena dar uma olhada, afinal, a Vera Cruz foi, junto com a Atlântida, a grande fábrica brasileira de cinema.

Os melhores filmes da Vera Cruz, de graça
Mariana Shirai

Você não precisa esperar a programação da próxima mostra de cinema brasileira. De sua casa, já dá para assistir a alguns dos melhores filmes produzidos no país. Também dá para ler todas as novidades culturais da década de 20 – ou até antes. O acesso, pela internet, está sendo garantido por dois sites culturais, donos de grandes acervos.

Depois de colocar no ar a poesia completa de Vinícius de Moraes, a Brasiliana Digital liberou para o acesso gratuito e ilimitado os fac-símiles das principais revistas culturais brasileiras do século XIX e XX. Em brasiliana.usp.br é possível encontrar marcos da crítica cultural como o mensário modernista Klaxon (leia no quadro abaixo), O patriota, primeiro periódico dedicado exclusivamente ao conhecimento científico no Brasil, e o anuário RASM, do artista e arquiteto Flávio de Carvalho.

As publicações vêm do acervo do bibliófilo José Mindlin, que morreu em fevereiro, aos 95 anos. “São ao todo 845 títulos de revistas brasileiras”, diz o historiador da USP Pedro Puntoni, diretor da Brasiliana. Mindlin reuniu coleções completas como o Correio Braziliense (já no ar) e outras raridades. Até agora, há apenas oito coletâneas no site, mas ao menos dez outros títulos já foram digitalizados e só aguardam ajustes finais.

“A ideia é lançarmos uma coleção a cada 15 dias”, afirma Puntoni. Os periódicos mais recentes, porém, precisarão aguardar algumas décadas, quando seus direitos autorais se tornarem domínio público – a não ser que os responsáveis permitam o uso do material. O acesso às revistas vai facilitar tanto a pesquisa acadêmica e amadora como o restabelecimento de um vínculo entre o passado e o presente do jornalismo cultural. “A maioria das publicações culturais de hoje desconhece a tradição brasileira de revistas”, diz Puntoni. “As soluções gráficas e de texto podem inspirar os produtores atuais ou, no mínimo, gerar reflexão.”

É o mesmo tipo de impacto positivo que deve causar a digitalização do acervo da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, um dos estúdios mais importantes do cinema brasileiro, que há 33 anos lançou seu último longa. No site elocompany.com.br, já é possível assistir, por streaming (download em tempo real) e em boa definição, a 13 longas de ficção e a cinco documentários da Vera Cruz. Entre eles estão Sinhá Moça, filme de Tom Payne com os astros Eliane Lage e Anselmo Duarte, Grande Sertão: veredas, de Geraldo e Renato dos Santos Pereira e estrelado por Tony Ramos e Bruna Lombardi, e o documentário Painel, em que Lima Barreto registra o artista Cândido Portinari pintando sua obra Tiradentes.

O acesso ao acervo coincide com a volta das atividades da companhia. Há algumas semanas, iniciaram-se as filmagens do documentário LB Persona, sobre a realização de um dos filmes brasileiros mais premiados e conhecidos internacionalmente, O cangaceiro, de Lima Barreto. Ao todo, a Vera Cruz produziu e coproduziu 40 filmes. Eles deverão ir para a rede aos poucos.

sexta-feira, junho 04, 2010

Conselho para escolher carreira


Sempre leio os textos do Contardo Calligaris e repasso para as minhas listas de discussão, este, especialmente, não poderia deixar de mandar. Seria bom se meus alunos e alunas pudessem ler, também. :) Saiu na Folha de São Paulo, só para assinantes.


CONTARDO CALLIGARIS

Conselho para escolher carreira

A ESCOLA pública italiana impunha uma aula semanal de religião (católica, claro). Na terceira série, aprendi que, para me tornar sacerdote, seria imprescindível que eu tivesse "a vocação" (com o artigo definido). Em princípio, essa condição facilitava as coisas: afinal, ou eu era chamado por Deus ou não era. No entanto, Deus não chama a gente por carta registrada.

Era possível, eu pensava, que ele se manifestasse por sinais misteriosos, que eu não entenderia, ou pior, que eu evitaria entender - talvez porque preferisse perseguir ambições mais mundanas ou porque meus pais não gostassem da ideia de ter um filho padre. Seja como for, se eu recebesse, mas não escutasse a chamada, não estaria apenas fazendo pouco caso da vontade divina: eu estaria fugindo de meu destino, seria culpado de desperdiçar minha vida.

Na quarta e quinta séries, foi a vez de o Estado se preocupar com nossas vocações. Naquela época, era necessário escolher muito cedo entre o clássico, o científico e os cursos técnicos que levavam diretamente para o trabalho, sem dar acesso para as faculdades.

Tratava-se, portanto, de saber se tínhamos jeito para as humanas ou para as exatas e, em cada caso, qual era o tamanho do nosso jeito. Uma casa caiu, sepultando seus moradores; seu primeiro pensamento é "se Deus existe, por que ele permite tamanho sofrimento?"; pois bem, as humanas são sua vocação.

Restava verificar, com outros testes, se você tinha pano suficiente para ser professor de filosofia ou se era melhor que você se contentasse em ser repetidor no primário. De fato, a orientação profissional precoce eternizava a divisão social (nunca vi um aluno de classe média-alta ser encaminhado para cursos técnicos). Mas a intenção era nobre: descobrir qual era a semente escondida em cada um de nós. Detectando o embrião de nossas aptidões e disposições, poderíamos agir de maneira que a vida realizasse plenamente o nosso potencial.

A partir dos anos 60, em grande parte graças à influência da psicologia de Alfred Adler, ficou claro que, na hora de escolher uma carreira, os talentos e as predisposições são tão importantes quanto os sonhos, os devaneios, as paixões e as imagens idealizadas de tal ou tal outra profissão que encontramos, por exemplo, nas ficções que nos marcam. O medo de não escutar a chamada divina foi substituído pelo medo de não entender direito nosso próprio desejo - pois seríamos competentes, "realizados" e felizes só se nossa profissão for uma extensão de nossas paixões íntimas. Nesse caso, o trabalho seria leve e divertido, como um hobby. Em suma, a semente que estaria em nós e que deveria vingar se tornou mais complexa. Mas a ideia de que existe uma semente que é preciso descobrir continuou valendo e preocupando pais e filhos.

Uma leitora, Cecília, me escreve sobre as inquietudes da filha, Luana, 16, na hora de escolher uma carreira que esteja "em consonância com a personalidade, o temperamento, o querer" de Luana e também "com o mercado do trabalho".

Uma sugestão para Luana. Entendo que a escolha de um vestibular, de uma faculdade e, em última instância, de uma profissão, pareça um ato definitivo, mas não é nada disso. Você pode mudar de faculdade e de carreira; pode cursar um ano de direito, escolher passar para ciências sociais, decidir que o que você realmente quer é biologia e, quem sabe, cursar medicina aos 35 anos. Menos óbvio e mais importante é entender que essas mudanças não seriam a prova de fracasso algum.

Se você mudar de faculdade ou carreira, não será porque você se enganou na tentativa de descobrir qual era a semente que você carregava consigo. Aliás, esqueça a ideia da semente. Ser jovem não é ser semente; é ser, antes de mais nada, uma narrativa aberta. Imagine que você é o começo de uma história: havia uma moça de 16 anos que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones e, um belo dia, ela saiu para fazer sua inscrição no vestibular... Continue. E lembre-se de que uma boa história tem reviravoltas e surpresas.

Em poucas palavras, em vez de tentar descobrir a famosa semente, invente sua vida.

ccalligari@uol.com.br