domingo, junho 01, 2008

D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a sexta.

Há 200 anos...
Dom João VI muda rumo do mercado

Carmen Souza
Da equipe do Correio

De mala e cuia em solo brasileiro, a família real portuguesa provocou mudanças nas condições de trabalho que influenciam até hoje as relações entre mercados, patrões e funcionários. Logo no desembarque, em 1808, o anúncio feito por Dom João VI do fim da produção exclusiva causou impacto nas estruturas urbanas e rurais. A partir daquele momento, os portos estavam abertos às nações amigas. Os produtos brasileiros não precisavam mais passar obrigatoriamente pelas alfândegas portuguesas. E estava liberada a importação direta de produtos de países bem relacionados com a Corte.

Há quem diga que essa mudança foi o primeiro passo do Brasil rumo à globalização. Discussões paradigmáticas à parte, o fato é que, um ano depois da abertura dos portos, existiam mais de 100 empresas comerciais britânicas só no Rio de Janeiro. Inaugurações a calhar, já que o auge da exploração do ouro e da produção de cana-de-açúcar havia ficado para trás. Logo na chegada, Dom João VI também revogou um alvará, de 1785, que impedia a fabricação de qualquer produto no Brasil. Começaram a surgir fábricas de pólvora, tecido, barcos, siderúrgicas, carpintarias.

“Evidentemente houve um fortalecimento da vida urbana. Com isso, cresceram a prestação de serviço e a produção de manufaturas ainda precárias. É o começo das relações de trabalho mais liberais e flexíveis mesmo em um regime de escravidão”, afirma Solimar Oliveira Lima, professor de economia da Universidade Federal do Piauí. Figuras como o escravo de ganho e as negras de tabuleiro eram exemplos dessas transformações.

Os escravos de ganho passavam dias longe dos seus senhores e voltavam, na data estabelecida, para pagar o valor combinado pelo período de liberdade. Na cidade, alugavam os seus dotes trabalhando em barbearias, no transporte de pessoas, na limpeza urbana. “Quem pagava pelo serviço exigia que o escravo desempenhasse funções diferentes. E, hoje, essa flexibilidade é uma característica muito valorizada pelo mercado de trabalho”, compara Solimar.

As mulheres voltavam-se mais para o comércio, como acontecia na África. Com tabuleiros na cabeça, vendiam comida para os moradores das cidades. Foi a origem das tradicionais baianas, espalhadas hoje por todo o país. “Eram duas formas de trabalho diferentes do imaginário do tronco — em que o escravo trabalhava 20 horas por dia e depois era chicoteado —, e bastante comuns no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais”, explica Eduardo França Paiva, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais.

Jornada de sangue

Apesar da flexibilidade, a jornada imposta aos trabalhadores, independentemente das regras, era exaustiva, salienta Sadi Dal Rosso, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. “Era um trabalho tingido de sangue. A expectativa de vida naquela época era de 25, 27 anos. Grandes empregadores chegavam a investir em um sistema de reprodução de escravos”, afirma. Estima-se que, no início do século 18, o tráfego negreiro tenha trazido 1,5 milhão de africanos para o Brasil.

Além dos escravos, existiam os trabalhadores livres e, ainda incipientemente, pessoas submetidas a um regime de pré-assalariamento. Em muitos casos, não recebiam um salário, mas tinham a permissão para explorar a terra e dividiam a colheita com o proprietário. “É a origem do coronelismo, em que os trabalhadores submissos produzem para os grandes latifundiários”, diz o professor Solimar.

Ao longo do século 19, essas relações foram ganhando força, a ponto de a Lei Áurea — que em 1888 extinguiu o regime de escravidão — ter um caráter apenas formalizador. “Ela (a lei) deu continuidade a formas tradicionais de trabalho. Reconheceu uma realidade que existia. Já no início do século 19, a realidade do trabalho era diversa, plural e de uma mobilidade considerável”, destaca o professor Eduardo Paiva.

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