domingo, junho 01, 2008

D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a quinta.

Há 200 anos
A madrugada do sonho

Guilherme Goulart
Da equipe do Correio

O boiadeiro de botas claras, chapéu-de-couro, calça e camisa de algodão vê ao longe o pôr-do-sol rosado por detrás do vilarejo de Santa Luzia, a futura Luziânia (GO). Sente falta da balbúrdia. Tem saudade dos tempos da mineração, época em que o povoado encravado no Planalto Central abrigava 10 mil habitantes. Com o rosto iluminado pelos últimos raios solares, o senhor de cabelos brancos relembra o frenesi provocado pela exploração do ouro que brotava do chão avermelhado. Mas constata, triste, a decadência nos primeiros anos de 1800.

Sem a presença dos mineradores, ele e a família vivem do que plantam. Criam algumas cabeças de gado. Nada parecido com a grandeza dos fazendeiros locais. Os vizinhos graúdos mantêm os animais soltos na paisagem sem fim do cerrado. São donos de terras a se perder de vista. Nem sabem com exatidão onde elas começam ou terminam. O senhorzinho, por exemplo, nunca viu cercados entre as propriedades. Conta que a delimitação se dá por rios, pedras, árvores, morros, marcos e o que servir de referência a forasteiros e aventureiros.

O boiadeiro, de rosto rachado pelo sol, também acha graça de como são conhecidas as fazendas da região: Gama, Papuda, Sobradinho, Bananal… O velho ri, nem imagina que os apelidos se perpetuarão no século seguinte. A Gama receberá uma cidade com o mesmo nome a partir da inauguração da nova capital do Brasil, cerca de 150 anos além do distante pôr-do-sol. A área da Papuda ficará com o maior presídio da então inimaginável Brasília. Já as duas últimas se transformarão em localidades recheadas de condomínios e pequenos vilarejos.

No longínquo interior goiano, o pequeno fazendeiro admite com desânimo que a vida passa devagar. O desenvolvimento agora é lento, quase parando. Há apenas povoados ao redor de Santa Luzia. E as futuras Formosa, Pirenópolis e Planaltina têm outros nomes e poucas chances de crescimento. O velho boiadeiro, católico, prefere Santa Luzia. O lugar, fundado em 13 de dezembro de 1746 pelo menos abriga a bela Igreja do Rosário. Ele, a mulher e as três filhas freqüentam missas todos os dias.

A família mora bem pertinho do templo. Vive em uma casa pequena de madeira, igual às demais da região. Foi erguida com troncos de aroeira, mais grossas e resistentes às agruras do tempo. O terreno é espaçoso, o que facilita o plantio e a criação do gado solto. Mas o senhorzinho, com o chapéu acomodado embaixo do braço, também recorre a vendinhas para abastecer o lar com o valorizado sal, ferramentas e roupas que chegam com os tropeiros, no lombo das mulas. O velho boiadeiro lamenta ainda os problemas que embaralham o otimismo e a auto-estima do povo. Nem o fim da mineração terminou com os conflitos entre tribos indígenas nômades e colonos. A febre amarela mata a cada ciclo da doença. Para ele, só um louco ou um sonhador tentaria trazer o progresso ao centrão calorento do país. A loucura ou o sonho era questão de tempo, mal sabia ele.

Editor: Samanta Sallum // samanta.sallum@correioweb.com.br
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